Quando os meus olhos foram passando, cada vez mais deslumbrados, pelos quadros de Irene Gomes, foi como se a memória e o sentir que retinham as imagens “ de marés vivas, de ventos e relâmpagos oceânicos, de águas transbordantes em cais subitamente vazios” me trouxessem de novo, cada verso, cada palavra, cada sílaba da prodigiosa Ode “Senhora das Tempestades”.
Sem a saber de cor, era como se a emoção provocada pelas cores, pelas formas de grande carga poética, de grande finura e, por vezes, de extraordinária densidade dramática, fizessem de novo ecoar em mim a musicalidade, os ritmos perturbantes, as pulsões de vida e de morte, mesmo a densidade mística que o poema contém.
Estes quadros reproduzem, traduzidos numa linguagem, quadra a quadra, um dos poemas mais belos que surgiram em Portugal, desde os tempos mais recuados até agora. Só uma pessoa com o talento, a sensibilidade e uma rara capacidade de entendimento e sentir da obra poética seria capaz de interpretar, tão espantosamente, a Ode “Senhora das Tempestades” de Manuel Alegre.
Irene Gomes é, de facto uma pintora que me surpreende e fascina – há pureza, há sensibilidade, há força e imaginação, há sobretudo nela um jeito de entender e reproduzir emoções, uma magia e poder de encantamento imensos que me espantam e prendem. Dois poetas, afinal que se encontram dando – cada um à sua medida, mas cada um com uma intensidade enorme e poder de comunicação – a sua visão e entendimento do mundo, dos sentimentos, angustias, frustrações, medos, anseios e esperanças dos humanos.
Ambos cantam, pois e aqui nesta “Senhora das Tempestades” e de uma forma impressionante, “o espanto, a assombração, a angustia e o pavor da visitação da morte” de que fala, tão impressivamente, o prefaciador do livro de Manuel Alegre.
Maria de Jesus Barroso Soares