A modernidade de Irene Gomes encontra-se na invenção da sua linguagem pictórica. Seja qual for o seu registo grave ou lúdico, ela enuncia a sua composição a partir de uma evocação alusiva à realidade. O seu grafismo descritivo apoia-se num jogo de ritmos subjacentes a um cromatismo franco e contrastado. A sua paleta quente e luminosa privilegia os acordes sonoros que contribuem eficazmente para a poetização da narrativa. A saturação da cor contrasta com os efeitos de transparência, os traços rápidos inerentes ao pastel que ousam a justaposições de tons que os tornam musicais. Estas evidentes qualidades de colorista de Irene Gomes combinam-se em sequências gráficas, quer suave, com curvas e inflexões lineares, quer pelo contrário agudas e rigorosas. Perfeitamente submetida à técnica do pastel, Irene Gomes atinge raríssimas visões solares.
Na sua pintura, tudo se mistura. O homem e os eus mistérios, as suas alegrias e os seus temores, a sua ternura, a sua originalidade. O quotidiano a par com a prece. Profano e sagrado dialogam. As entidades ressurgem de uma memória ancestral e intemporal. A imagem surge, forte, luxuriante, por entre recordações e inconsciente. Por oposição a uma moda, na sua essência, efémera, Irene Gomes optou por uma narrativa poética da vida. Uma figuração perfeitamente livre na qual se lê o desejo original. Uma pintura que nos interroga sobre o nosso próprio futuro, mas da qual o sonho não está nunca ausente.
Lydia Haranbourg